sábado, 28 de julho de 2012

Resolvi visitar uma ONG que ajuda idosos portadores do Mal de Alzheimer. Entrei com o pretexto de fazer trabalho voluntário. Algumas das enfermeiras que trabalhavam na ONG me reconheceram. Todas disseram que ficaram muito emocionadas com minha matéria no Faustão. Segundo Amélia, a enfermeira que me guiava pelo complexo, esta ONG cuida de centenas de pacientes anualmente. Amélia frisou bem que eles cuidam dos pacientes e não tratam. O objetivo da clinica era deixar seus pacientes confortáveis. Estar ali por eles. Ela abriu um sorriso. A maioria das pessoas vivendo na instituição, eram completamente sozinhas. Para essas pessoas, os funcionários da instituição eram sua única família. Ela me disse que nos cinco anos que ela trabalha aqui, não pressenciou nenhuma demissão. Pelo contrário, apenas foram feitas novas contratações. Eles eram uma grande e feliz família.

Passando por um corredor na área onde os dormitórios estavam localizados, Amélia começou a contar a estória de alguns pacientes. É importante conhecer as pessoas, ela disse. Só assim você se importa o bastante para ajudar elas com toda sua alma. Pegue o senhor Carlos por exemplo, ela continuou, faz dez anos que ele mora aqui e nunca recebeu uma visita, uma carta ou um telefonema. Abandonado pelos três filhos, Carlos só consegue se lembrar de seu nome e do nome de sua falecida esposa, Matilde. O senhor Agenor tinha uma estória igualmente triste. Mês que vem será seu segundo aniversário na instituição. Foi encontrado no centro, vestindo apenas suas meias. Agenor não possui nenhuma memória. A única coisa que le faz, é andar pela instituição, observando com olhos tristes tudo a seu redor.

Saindo dos dormitórios, Amélia começou a me explicar o objetivo da instituição. O Mal de Alzheimer é uma doença cruel, ela começou dizendo. Por não conseguirem se lembrar, terem perdido a capacidade de produzir novas memórias, essas pessoas não tinham espaço na sociedade. Desempregados, incapazes de conhecer novas pessoas ou aprender coisas novas, essas pessoas são tratadas como produtos que tiveram sua validade expirada. E não era exagero. A maioria das pessoas aqui foram abandonadas, ou estavam perdidos antes de serem socorridas. O ambiente era extremamente agradável, graças ao trabalho extraordinário dos funcionários, mas existia um odor no ar. O instituto inteiro fedia a tristeza. Um forte cheiro de solidão, exalava dos pequenos quartos. Quando os pacientes se reuniam na área de convivência para executar diversas atividades, a sala cheirava a dor.

Próximo ao termino no tour, tive que tomar uma decisão. No final, Amélia estenderia sua mão para me comprimentar, formalmente me desejando boas vindas. E junto com as boas vindas, eu receberia uma memória. Pela paixão e alegria que Amélia expressava ao falar da instituição, sua melhor memória estaria relacionada com a ONG. Seria uma memória altruista, genuinamente boa e sincera. Uma memória de uma pessoa dedicada a cuidar de outras pessoas. Tive medo. Essa memória mudaria meu modo de pensar. Minha vinda a este lugar, ganharia um outro sentido. Um sentido mais nobre inclusive. Eu provavelmente não roubaria outra memória. Não seria capaz de fazer isto de novo. Coloquei as mãos no bolso e suspirei. Amélia perguntou se eu estava bem. Olhei para ela com um sorriso e respondi que sim. Só estava com um pouco de frio. E rapidamente vesti as luvas que tirei do meu bolso esquerdo. Bem melhor eu disse. Ela abriu um sorriso. Tá meio frio mesmo.

Assim que completamos o tour, Amélia me comprimentou, formalizou as boas vindas e me entregou uma prancheta. Nela, uma lista de pacientes, onde em cada item estava o nome do paciente, o número de seu quarto e atividades que deveriam ser executadas. As mais frequentes eram abrir janelas, conversar por no mínimo trinta minutos e verificar estado do paciente e do quarto. O primeiro da minha lista era Bernardo Domingos, quarto 183. Conversar, abrir janelas e andar por vinte minutos. Ao chegar em seu quarto, encontrei Bernardo sentado em uma cadeira próxima a cama. Me aproximei e o comprimentei. Educadamente ele retribuiu o aperto de mãos e começamos a conversar. Bernardo apenas se lembra de partes pequenas e sem conexão de seu passado. Mas se lembra muito bem de dados sobre sua vida. Como por exemplo, o endereço completo, telefone e tempo de estadia de todas as casas onde morou. Ele conhece estes dados, mas é incapaz de lembrar qualquer detalhe da casa em si. Passados quarenta minutos de conversa eu retirei minha luva direita, me levantei da cadeira onde estava sentado, e estendi minha mão a Bernardo. Ele se levantou e apertou minha mão com um sorriso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário